domingo, 25 de maio de 2008

Mandamentos do consumismo

Os cinco mandamentos da era do consumo são: 1º) Adorar o mercado sobre todas as coisas. Tudo se vende ou se troca: objetos, cargos públicos, influências, idéias etc. Em economias arcaicas, ainda presentes em regiões da América Latina, a partilha dos bens materiais e simbólicos assegurava a sobrevivência humana. Agora, ao valor de uso se sobrepõe o valor de troca. É preferível deixar apodrecer alimentos cujos preços exigidos pelos produtores deixam de oferecer a mesma margem de lucro. Segundo o mercado, tombam os seres humanos, mas seguram-se os preços.
2º) Não profanar a moeda, desestabilizando-a. Dizem que outrora povos indígenas sacrificavam vidas humanas para aplacar a ira dos deuses. Abominável? Nem tanto. O ritual prossegue; mudaram-se apenas os métodos.
Em 1985, o Nacional, um dos maiores bancos brasileiros, começou a naufragar. Durante dez anos, graças a operações fraudulentas, o Nacional conseguiu sacar bilhões de dólares do Banco Central. Em outubro de 1995, o governo FHC criou, por decreto, o Proer - um programa de socorro a bancos em dificuldades. Na ocasião, um único banco foi favorecido: o Nacional, com o equivalente a US$ 6 bilhões.
3º) Não pecar contra a globalização. Graças às novas tecnologias de comunicação, o mundo se transformou numa pequena aldeia. De fato, o Planeta ficou pequeno frente às imensuráveis ambições das corporações transnacionais. Por que investir na proteção do meio ambiente se isso não aumenta o valor das ações na Bolsa?
4º) Cobiçar os bens estatais e públicos em defesa da privatização. Se não é o bem comum o valor prioritário, e sim o lucro, privatize-se tudo: saúde, educação, rodovias, praias, florestas etc. Privatizar é afunilar a pirâmide da desigualdade social. Os lucros são apropriados por uma minoria, e os prejuízos - o desemprego e a miséria - socializados. Menos serviços públicos, maior a parcela da população excluída do acesso aos serviços pagos.
Antes do leilão da Usiminas, uma das maiores siderúrgicas brasileiras, a Nippon subscrevera 14% do capital da empresa. Quando houve aumento do capital da Usiminas, a Nippon não se interessou, o que reduziu sua participação acionária para 4,8%. Iniciado o processo de privatização, as ações da Usiminas valorizaram e a empresa japonesa obteve o privilégio de resgatar sua participação originária pagando US$ 39,79 por cada lote de 1.000 ações - quando, na Bolsa, a cotação já atingira US$ 523,90. A Nippon obteve lucro de 1.340%.
O patrimônio da Usiminas valia US$ 12 bilhões. Foi vendida por US$ 1,65 bilhão. E ninguém foi parar na cadeia por este assalto ao patrimônio nacional. Do que se arrecadou com o leilão da Usiminas, 73,3% foram pagos com "moedas podres" e 26,4% em Certificados de Privatização. Papéis coloridos. Em dinheiro sonante entraram apenas R$ 4,69 mil, metade do preço de um carro "popular", sem ágio.
5º) Prestar culto aos sagrados objetos de consumo. Percorremos aceleradamente o trajeto que conduz da esbeltez física à ostentação pública de celulares, da casa de veraneio ao carro importado, fazendo de conta que nada temos a ver com a dívida social.
Expostos à má qualidade dessa mídia eletrônica que nos oferta felicidade em frascos de perfume e refrigerante, alegria em maços de cigarro e enlatados, já não há espaço para a poesia nem tempo para curtir a infância. Perdemos a capacidade de sonhar sem ganhar em troca senão o vazio, a perplexidade, a perda de identidade.
Em doses químicas, a felicidade nos parece mais viável que percorrer o desafiante caminho da educação da subjetividade. Mercantilizam-se relações conjugais e de parentesco e amizade. Nesse jogo, como nos filmes americanos, quem não for esperto e despudoradamente cruel, morre.
Só há esperança para quem acredita que o dilúvio neoliberal não é capaz de inundar todos os sonhos e ousa navegar, ainda que soprem fraco os ventos, nas asas da solidariedade aos excluídos, da luta por justiça, do cultivo da ética, da defesa dos direitos humanos e da busca incansável de um mundo sem fronteiras também entre abastados e oprimidos. Mas isso é outra história, que exige muita fé e certa dose de coragem.
A propósito: o contrário da soberba é a humildade; da inveja, o despojamento; da ira, a tolerância; da preguiça, o compromisso; da avareza, a partilha; da gula, a sobriedade; da luxúria, o amor.

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